A cor da distância Paulo Monteiro

Apresentação

Em busca de uma linguagem formal reduzida ao mínimo de elementos, Paulo Monteiro concebeu A cor da distância, a primeira individual do artista na Mendes Wood DM em Bruxelas. Servindo como uma meditação espacial, a exposição apresenta um sutil arranjo de obras recentes, nas quais a cor e seu poder atmosférico fluem em direção à insistência do corpo e sua presença material. 

O que chama a atenção à primeira vista é a materialidade das obras em exibição, onde a matéria se torna visível de maneiras diferentes e ambivalentes. Uma forma oval recorrente transforma e estrutura o plano das telas de linho. O artista utiliza essa forma para gerar variações dentro das camadas de tinta a óleo – por adição ou remoção – revelando uma espécie de interior da pintura. A própria substância das esculturas também é revelada através de gestos simples, quase coreográficos: quebras, cortes e pilhas de blocos de terra parecem estar simplesmente colocados no chão. São peças fundidas em alumínio. Enquanto essa transformação ampliada cria uma espécie de surpresa perceptual, a textura metálica monocromática, preta ou branca dos objetos reforça a atenção de Monteiro no material.

Uma série de obras pintadas menores se assemelha a pequenos pedaços de tinta a óleo adornados com alguns pontos de cor que marcam seus limites, diretamente pendurados na parede. Também medindo apenas alguns centímetros, pequenas esculturas revestidas de tinta a óleo na cor vermelho e rosa são exibidas nas paredes. Sua aparência indefinida poderia evocar a imagem da cor pura emergindo do tubo de tinta e se transformando em uma peça de bronze. Elas também demonstram como, nesta exposição, Monteiro utiliza a matéria como catalisadora, criando uma frequência que faz com que as obras convirjam entre categorias e fronteiras. As peças de parede não são nem pinturas nem esculturas. O que estamos vendo é a forma de um lago, ou um peixe; uma peça de argila macia e maleável; uma porção de cor semilíquida, ou uma forma abstrata orgânica e corporal. Tudo aqui é fluidez, vida e movimento.

Muitas vezes se afirma que a prática processual de Monteiro se baseia em uma certa ideia de non finito. As pinturas às vezes parecem ter sido interrompidas antes que uma imagem clara seja formada. Suas esculturas também evocam um processo interrompido, um abandono sensual da composição, como se tivessem caído da mesa do artista antes de sua transformação formal. No entanto, o aspecto inacabado dessas obras também poderia ser explicado como o oposto de um fim distante colocado a um processo inicial: e se as pinturas estivessem, na verdade, dissolvendo formas nas camadas transparentes de óleo, ou fossem imagens esculturais de composições arruinadas, de gestos levados longe demais? Aqui não há nada de dramático ou romântico: nessas obras, não importa como elas são concebidas ­– cruas ou transformadas, compostas ou não, o produto de muito trabalho ou não o suficiente – a substância parece sempre ter vida própria.

O silêncio das peças (quase todas permanecem sem título) é evidente na maneira como sinalizam que, embora estejam imóveis, ainda estão potencialmente em progresso, como se estivessem meio vivas. Aqui, vemos um duplo movimento interno. O paciente processo de redução e simplificação empreendido por Monteiro parece dotar suas obras de um protagonismo singular. Elas poderiam estar condensando, filtrando ou secando por conta própria. Ou o oposto também poderia ser verdadeiro: a maneira como o artista organiza a exposição sugere que os trabalhos estão possivelmente expandindo, florescendo no espaço da galeria, transformando-se em um jardim sintético, um lugar onde cada coisa está em ação, em ritmo próprio.

Colocadas diretamente no chão, as esculturas de Monteiro desenham uma forma aberta, um espaço pelo qual se pode caminhar, uma área que parece estar organizada de forma aleatória, quase dispersa, composta por uma série de linhas curvas, de formas orgânicas caoticamente dispersas: mais uma vez, indefinidas, mas ativas – um jeito de estar no espaço que contrasta com a grade geométrica da arquitetura da galeria. As formas aqui têm uma vida latente, um potencial, mas também parecem estar em repouso, esperando por algo, ou apenas adormecidas. A horizontalidade, a aparente suavidade, a relação tátil com o chão revelam uma energia particular que está voltada para dentro dos objetos, sob sua pele. Assim como durante o sono nunca somos passivos, mas abertos a várias mudanças, sensações e transformações, as obras aqui estão silenciosamente ativas. Elas existem em seu próprio tempo e espaço. Elas descentralizam. Estão imersas em um fluxo constante, indo além de nosso domínio, e talvez até além do próprio domínio do artista.

cor da distância se apresenta como um esboço de um deixar-se progressivo na forma de uma constelação de peças que nos convidam a uma coreografia aberta e íntima. As dimensões variáveis das peças de parede, desde as muito pequenas até as maiores, nunca ultrapassam um tamanho médio. Esses objetos atraem o corpo, estimulando movimento no espaço, de modo que cada peça de parede seja observada da distância correta. Aqui, a distância se refere não apenas ao espaço entre as obras, mas também entre nós e as formas e cores à vista. É uma espécie de dança cósmica entre plenitude e vazio, nitidez e desfoque. A forma oval recorrente nas pinturas também se assemelha a um olho, transformando cada tela de um objeto a ser olhado em uma janela pela qual olhar. Essas formas de olhos se repetem, se sobrepõem e vibram: o olho se move, vê duplo, até triplo. A visão é afetada, permanece perturbada, como quando semicerramos os olhos para enxergar melhor, percebendo a paisagem ao nosso redor sem tentar capturar todos os detalhes: as pinturas de Monteiro abrem espaços coloridos para que possamos nos imergir mentalmente neles. 

Na França, onde cresci, quando a primavera chegava, nós, crianças, costumávamos nos sentar em círculos para brincar entre a grama e as flores. Nós colhíamos dentes-de-leão e colocávamos as flores no queixo de alguém, dizendo: "se seu queixo ficar amarelo, você gosta de manteiga!". É claro, toda vez que as pétalas se aproximavam de nossa pele, o reflexo do sol criava um pequeno halo amarelo em nossos rostos. Nunca questionei o significado dessa tradição de infância, mas agora percebo que ela revelava uma forma de vínculo invisível com o mundo. Através desse tipo de ato mágico de olhar para uma planta colorida, que nos coloria em troca, materializávamos o impacto das ondas de luz em nossos corpos, comungando ritualmente com a renovação da vida vegetal. Éramos mutuamente transformados. Suponho que esse seja o outro significado do belo título da exposição de Paulo Monteiro: quando tocamos as obras com nossos olhos, somos coloridos por elas à distância. Elas permanecem imóveis, mas não são inertes. Nós nos aproximamos até ficar na distância certa. E assim vemos que elas irradiam, assim como nós.

 

— Yann Chateigné Tytelman

 

Obras
Vistas da exposição